Rio Grande, o ponto de encontro dos animais
Quem viaja pelo Rio Grande percebe facilmente a variação de suas paisagens: são praias e lagoas no litoral, escarpas na Serra Geral, pampas ao Sul, florestas (poucas) nas margens do rio Uruguai, campos em cima da Serra. Mas o que muitos não entendem é a importância dessa multiplicidade. O Rio Grande é o ponto de encontro entre os dois grandes reinos de flora e fauna da América do Sul, ensinam os pesquisadores.
Para se entender a importância dessa diversidade, é preciso, primeiro, compreender a divisão da flora e fauna do mundo. De acordo com os aspectos climáticos, geológicos, de plantas e animais, os especialistas em biogeografia - ciência que estuda a distribuição da vida sobre o globo terrestre - dividiram o mundo em diferentes reinos. A América do Sul encontra-se no chamado "Reino Neotropical". Dentro dele, existem diversas regiões que, por sua vez, são divididas em sub-regiões ou províncias, em função de suas características de fauna e flora.
O Brasil se encontra, quase todo, na região conhecida como Guiano-Brasileira, em que, de modo geral, predomina o clima tropical. A outra grande região da América do Sul é a Andino-Patagônica, de clima temperado. O Rio Grande do Sul está justamente na área de encontro dessas duas regiões. Isto faz com que, em seu território, possam ser encontrados exemplares de fauna e flora das duas áreas, e de diversas sub-regiões de cada uma delas.
Através de diferentes regiões do Estado, penetram elementos faunísticos muito importantes. Um exemplo é a região do Alto Uruguai. Ela está próxima da bacia do rio Paraná, em que há um tipo de mata intermediária entre a típica de zona tropical (da Amazônia) e a temperada. Essa mata é como um corredor, que serve para os répteis e para todos os outros animais.
Através dele chegam várias espécies ao Noroeste do Estado (Alto Uruguai), o que torna aquela região um destacado ponto de entrada de fauna. Daí a importância do Parque Florestal Estadual do Turvo - no município de Derrubadas -, pois está nessa área.
No Litoral se destaca um outro ponto. Na altura de Torres está a parte mais meridional da Mata Atlântica brasileira que, com raras exceções, já foi quase que totalmente destruída (nesta mesma página, outros artigos mostram isso em detalhes). Há, ali, uma fauna riquíssima em plena extinção. É uma das zonas mais ricas em répteis, mas não dá para saber o total de espécies. Essa fauna é endêmica da Mata Atlântica, não pode viver em outras áreas.
Enquanto isso, diversas regiões do Estado recebem outras contribuições. Pela região das Missões penetram, ainda que escassamente, elementos faunísticos vindos do Chaco (na Argentina). Pela área ao Sul do Estado, vêm animais da região pampeana.
Considerando todas as contribuições de fauna (e flora) que chegam ao Rio Grande, pode-se dizer que, em menor ou maior escala, encontram-se no Estado elementos de cinco sub-regiões. A mais presente é a fauna da chamada província Guarani, em que se encontra boa parte da área gaúcha. Essa é uma zona de transição entre a região Guiano-Brasileira e a Andino-Patagônica, e inclui paisagens muito diversificadas, como florestas, savanas e estepes. É formada pelo Paraguai, Sul do Brasil, Uruguai e Nordeste argentino.
Em segundo lugar destaca-se a província Tupi, que é, justamente, a região de Mata Atlântica. A fauna dessa área atinge o Estado pelo litoral. Em terceiro lugar está a província Boróro, formada pela área de savanas e estepes do Norte do Chaco e dos campos cerrados do Brasil Central, que chega ao Rio Grande pela bacia do Paraná. Pelo Noroeste do Estado chegam, também, alguns elementos da área amazônica, província chamada de Hylea. Eles vêm através da ligação da bacia do Amazonas com a do Paraná.
Por último, tem-se a fauna proveniente das regiões mais meridionais, da província pampeana, onde predominam as estepes características da região costeira e central da Argentina.
Essa "geografia dos animais" é válida, entretanto, apenas para animais terrestres e aquáticos de água doce, com exceção dos peixes, cuja dispersão está ligada às bacias hidrográficas. Pode-se dizer que esse esquema vale para mamíferos, répteis, moluscos e vários grupos de insetos. Não pode ser utilizado, contudo, no caso de aves, que voam e que, portanto, têm uma mobilidade muito maior.
Mas, para as aves, o Rio Grande do Sul também é uma área de grande importância. Afinal, é etapa obrigatória no processo de movimentação de várias espécies, quer do Hemisfério Norte, quer do Sul. Especialmente na época do outono, quando as migrantes dos dois continentes se encontram. As praias, lagoas e banhados do Estado ficam cheios de visitantes vindos dos mais diversos pontos: são batuíras que estão indo para a tundra ártica, maçaricos que regressarão para o Uruguai, marrecões que são originários da Argentina.
Algumas dessas aves terminaram por se aclimatar no Estado e, de visitantes, passaram a moradoras fixas. É o caso de alguns cisnes-do-pescoço-preto, que vêm da Patagônia. A maioria deles regressa para aquela região, mas alguns preferem desfrutar do conforto da Estação Ecológica do Taim.
Muitas dessas aves migratórias aproveitam as praias do Rio Grande para se alimentarem de mariscos, e assim se reabastecerem para prosseguir viagem. E é diante das praias que se dá um outro encontro, também vital para o clima e a fauna marinhas. Nas costas do Rio Grande encontram-se a corrente quente do Brasil e a corrente fria das Malvinas. A primeira predomina no verão, a segunda no inverno. Isto faz com que as águas gaúchas possam abrigar, alternadamente, peixes de espécies de águas temperadas ou de águas quentes.
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